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DO MESMO DIRETOR DE “CORAÇÃO DE COWBOY”

Sistema Bruto, filme quase esquecido, é um musical sertanejo que encontra Carros

Foto do filme Sistema Bruto
"Me vê uma weissbeer aí". "Vai você" (foto: Reprodução/Dodô Filmes)

Sistema Bruto, mais novo filme do diretor Gui Pereira, estreou em setembro de 2022 mas parece que nunca viu a luz do dia. Ofuscado por blockbusters da época como A Mulher Rei ou até mesmo a enésima reestreia de Avatar nos cinemas, particularmente só soube da existência do filme após uma bussca que me referiu a ele pouco depois de sair dos cinemas. Nem por isso podemos tirar o mérito do filme em si, que reúne feitos como não utilizar recursos do governo para sua concepção ao mesmo tempo que conseguiu reunir atores e artistas famosos para contracenarem entre si.

É claro que isso cobra seu custo: o arrastado minuto mostrando as dezenas de patrocinadores que depositaram a confiança no projeto e as muitas, mas muitas mesmo, aparições das marcas no decorrer do longa junto de muitas mensagens subliminares sobre os gastos. Embora isso traga uma relativa sensação de realismo já que vemos mais gravações in-loco reais ou que se assemelham bastante, chega uma hora que o telespectador pode cansar de ser forçado a ver aquela cerveja em cena ou os muitos alfinetes sobre como o projeto não foi concebido com dinheiro público.

É injusto, porém, analisar o filme da perspectiva de como foi financiado, e é por isso que apesar da situação, Sistema Bruto traz as duas amigas Bruna (Bruna Viola) e Rosa (Bruna Altieri), apaixonadas por velocidade e adrenalina e entrega um filme bastante divertido. Em uma determinada noite, fazem uma aposta com seus amigos e vão participar de uma competição de corridas de caminhonetes. Inicialmente, quem está do lado de cá da tela pode se confundir achando que o filme será uma grande ação/aventura sobre duas mulheres em uma jornada para a vitória em uma corrida, mas ao começar a assistir, já nota logo no começo a comédia que parece ter vinda diretamente das piadas de 1972 de Chaves.

“De que adianta 500 cavalos e um jumento na direção?” (foto: Reprodução/Dodô Filmes)

Comédia é o que manda aqui. Há referências do seriado clássico com piadas e até aqueles cortes no exato momento onde palavras seriam ditas simultaneamente em vários diálogos diversos, uma completando a outra. O longa se entrega completamente à galhofa, e isso é incrivelmente bom — uma hora você vai ver a piada vinda de Chaves, outra hora todo um desenvolvimento baseado numa piada com filmes da Marvel, um personagem americano caricato com uma frase de efeito batida, e por aí vai. Até o estigma do “Faria Limer” é caçoado.

A dupla dos Menotti também marca presença atuando como uns tiozões e, para quem já conhece as redes sociais de César Menotti, por exemplo, vai rir em dobro em certas cenas com eles. Ninguém teve medo do resultado tosco, mesmo tendo um elenco de peso como Marisa Orth, Jackson Antunes, uma dezena de cantores e aparições muito aleatórias como ex-pilotos e o comediante Maurício Meirelles.

“Você poderia tomar no c…uiabá” (foto: Reprodução/Dodô Filmes)

A propósito, o longa-metragem também aposta muito nos cantores, tanto que até parece um musical. Desde o começo, cenas são interrompidas ou montadas com algum número musical dos veteranos cantores convidados, entre eles, Carol Valentim, Gian e Giovani, Rionegro e Solimões, Lauana Prado, Guilherme e Santiago, Chitãozinho, Yasmin Campos por aí vai. A própria Bruna Viola, protagonista, faz um espetáculo ao cantar “Vida” acompanhada por uma viola em cenas-chave; ela não ganhou um Grammy Latino à toa.

Há uma outra ótima cena ótima onde as três meninas cantam “Coração Está Em Pedaços”, de Zezé de Camargo & Luciano num bar. A cena é interrompida com a aparição de Kléber Peixoto (Guile Branco), o americanizado antagonista piloto da Nascar.

As protagonistas, aliás, mostram que ninguém está ali pra levar desaforo para casa. O filme escolhe lidar sobre o assédio e o sexismo característico demonstrando a força das mulheres sobre situações constrangedoras, como a abordagem de cantada que originou a piada dos cortes em palavras e até o desenvolvimento do enredo do forçado namorado fofoqueiro de Rosa que trazia um desgosto instantâneo sempre que surgia em cena. O roteiro tem algumas complicações — em alguns momentos, piadas que deveriam fazer sentido ao serem feitas pelas garotas acabam forçadas.

Eu também estaria com essa cara se alguém dissesse “Quem é mais importante? O. Tony. Stark. O. Homem. De. Ferro, e não a ‘muié’ [Capitã] Marvel lá” (foto: Reprodução/Dodô Filmes)
Os momentos envolvendo a corrida determinante ficam para o final e mostram o momento em que Sistema Bruto se inspirou na trilogia Carros, da Pixar, para desenvolver a trama, com o problema de ter um baixo orçamento. Isso inclui até mesmo eventos que já vimos, como um jogo sujo e um sério acidente que muda o rumo do restante da história, que pouco é mostrada por claramente ter faltado recursos para umas imagens mais elaboradas.

A premissa da corrida em si vem como um contraponto da força das protagonistas; aqui, todas elas são vencidas por problemas que, cá entre nós, não deveriam ser impeditivos para a participação no evento, como a velha máxima dos pais superprotetores (Marisa Orth e Nelson Freitas) da Bruna e mais uma vez o namorado de Rosa procurando formas de impedi-las de seguirem seu planos enquanto fazem suas sessões de ioga ou enchem o rosto de dejetos específicos para tratamento de pele. A corrida em si também foi uma cena bem boa, talvez pelas semelhanças com o filme da Disney, mas podia ter sido melhor aproveitada.

Alguns dos não-atores que aparecem no filme como os pilotos de Fórmula 1 Felipe Massa e da Copa Truck Djalma Pivetta entregam a falta de trejeitos para atuação, parecendo muito mais que só estavam lendo um teleprompter. O diretor tentou e é um belo feito, mas no final só ficou ruim.

Sistema Bruto é um filme onde a pessoa precisa ir despretensiosa. Ele não vai entregar nada absurdo a não ser em som, nas bonitas imagens do interior de São Paulo e nas piadas forçadas de tiozão em um roteiro até bacana. A atuação em geral é mediana, sendo salva pelas protagonistas e alguns dos cantores que souberam se virar bem em vários momentos. Deu pra rir bastante, algumas vezes de diversão e outras de vergonha alheia. Good stuff.

Segundo o diretor Gui Pereira, Sistema Bruto deve chegar ao streaming em breve.

Caio Alexandre é entusiasta de cinema, exibição, animes e cultura pop em geral. Escreve desde 2008 sobre os mais variados assuntos, mas sempre assumiu a preferência pelo cinema e sua tecnologia embarcada. Autor convidado do TV Pop, fala sobre tudo que é tendência no universo da cultura pop. Converse com ele pelo Twitter, em @caioalexandre, ou envie um e-mail para [email protected]Leia aqui o histórico do autor no site.

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