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ANÁLISE

Desconfie do potencial de Anitta e termine dançando

Foto da cantora Anitta
El paso de Anitta é a nova sensação nas redes sociais (foto: Divulgação)

A engrenagem da indústria musical funciona de forma que nem sempre será possível explicar certos acontecimentos apoteóticos, que mais parecem acontecer para desmistificar certos argumentos. Quando isso acontece com artistas que a competência e talento são comprovados, sempre fica uma sensação de que tais qualidades são subestimadas em detrimento dos números.

Normalmente, isso acontece muito quando as pessoas comentam sobre artistas internacionais, como Normani, o que também concordo, porque ela se tornou uma grife de extrema relevância para a mídia, mas não necessariamente para o mercado, onde ela fica no meio do caminho entre ser uma artista de mainstream com números competentes ou uma artista segmentada com peso o suficiente para se tornar referência.

Posto isso, é curioso identificar como parte da mídia e público brasileiros trata com certa pena esse tipo de situação com cantores fora do nosso território. Talvez seja a famosa síndrome de vira-latas ou só desdém mesmo, por mais que isso faça o total de zero sentido. Anitta vem dando passos paulatinos em sua carreira internacional e, em um mundo que vive em tempo real, dá a sensação de que falta mais coisa. Uma visão que é até compreensível da parte de quem não compreende as esferas do mundo do entretenimento.

Assusta, de fato, é quando essa sensação parte de veículos nacionais que, por mais que reproduzam as notícias que são de fato, não entendem a amplitude dos negócios que envolvem música. Esse não é um texto para achincalhar ninguém, mas para apontar que em vários momentos em que Anitta é confrontada ou contrariada em relação à sua carreira, acaba fornecendo argumentos que provam o contrário.

A citação à Normani não é à toa, afinal as duas têm suas carreiras gerenciadas por Brandon Silverstein. O empresário já disse que sua determinação é fazer as duas se tornarem as próximas grandes estrelas da música, o que é perceptível pela rotina de fama, em que ambas sempre se destacam em entrevistas e performances, além do networking em diversas festas promovidas por cantores e produtores.

O lançamento de Boys Don’t Cry realmente foi um acontecimento no Brasil, principalmente por ser um produto com a embalagem clássica: produção musical de renome, clipe com estética pop e referências cinematográficas, além de apresentar uma saída da zona de conforto da cantora. Tudo isso torna a música e seu pacote interessantes para os fãs, o público em geral e a mídia especializada, mesmo que possam julgar a estratégia genérica, afinal o pop punk é o gênero com mais apostas recentes e que deu brilho a carreira de vários artistas, bem como obrigou representantes do mesmo a se mexerem por tabela.

Mas se mesmo um “tiro certeiro” não alcança os resultados suficientes para a mídia especializada brasileira, porque ainda estão apostando em diversos caminhos para a carreira gringa de Anitta? A resposta é bem simples, no final das contas. Todo o processo de construção de imagem da Anitta passou por diversos momentos, que possivelmente fizeram ela e sua equipe estudarem todos os caminhos abertos.

Me Gusta e Faking Love tem um papel de conectar as raízes brasileiras com a embalagem latinoamericana, o que é uma estratégia que tem mais efeito a longo prazo do que necessariamente agora. Boys Don’t Cry é exatamente a aposta mais confortável, não exatamente para os charts, até porque o gênero musical vem sendo aquecido aos poucos e muito em função do retorno de shows e festivais. É uma aposta confortável para se comunicar com as redes sociais, principalmente por ser o tipo de música que funciona com transmídia, tal qual New Rules fez em 2017.

Por isso, cabe a pergunta: onde se encontra Envolver? Qual o objetivo com um lançamento avulso, feito menos de um mês após Faking Love? Sendo que esta última conta até com participação especial de uma rapper que tem músicas bem posicionadas nas paradas americanas? Não é mais segredo que a cantora não tem apreço pelo clipe de Faking Love, o que não surpreende, justamente por não levar a lugar algum. É uma música importante para posicionar ela no mercado, mas com um clipe que não cria o storytelling completo.

Envolver surge nessa posição, por ser uma música simples, sem nenhuma grande inovação, um clipe excessivamente barato, mas que tem um storytelling. Existe um roteiro, a execução e a finalização do mesmo. Além disso, as habilidades e a personalidade artísticas de Anitta estão presentes, o que devia ser essencial em qualquer lançamento que ela faça daqui em diante. É exatamente isso que fez seus maiores hits em português explodirem no Brasil.

A coreografia apelidada de “El paso de Anitta” pode não ser uma estratégia, mas também não foi jogada ao vento assim, não. Anitta reproduziu ela em um show e percebeu o frisson da audiência. Fez mais uma vez, fez outra e aí se criou o monstro. Unindo o viral com todo o processo da música, envolvendo a direção do clipe assinada pela própria cantora, surge a força monstruosa de algo orgânico. Quando artistas como Anitta percebem a oportunidade, eles jamais deixam escapar. Provavelmente daqui alguns meses estaremos cansados de ouvir Envolver, mas quem duvida da capacidade dela, vai continuar dançando.

Gabriel Bueno é publicitário de formação, atua no mercado desde 2013 nas áreas de criação, mídia e produção. Viciado em acompanhar música, sempre disposto a comentar premiações, álbuns, videoclipes e tudo que envolve o meio musical. É o autor da coluna Decifrando, publicada no TV Pop e que analisa os principais momentos da indústria fonográfica. Siga o colunista no Twitter: @GabrielGBueno_. Leia aqui o histórico do colunista no site.

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