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ANÁLISE

Novelas por streaming: modinha criada pela Globo ou nova tendência?

Foto do novelista Walcyr Carrasco, autor de novelas da TV Globo
Walcyr Carrasco é o autor da primeira novela brasileira feita para o streaming (foto: Reinaldo Marques/TV Globo)

A Globo estreou na quarta-feira passada (20) Verdades Secretas II, sua primeira novela para streaming – por meio do Globoplay – cercada de grandes expectativas. Como vai ser a continuação de um fenômeno? O que se esperar de Walcyr Carrasco, que apesar de muito questionado, é atualmente o maior novelista do país por conta de seus últimos sucessos? A grande campanha de marketing vai trazer resultados? O público vai gostar das cenas picantes? O servidor vai cair?

No final, ao menos a princípio, deu tudo certo: mal ou bem, Verdades Secretas II repercutiu absurdamente e nem mesmo com uma audiência imensa sintonizada na quarta passada o servidor caiu ou demonstrou ao internauta qualquer tipo de falha que pudesse prejudicar sua experiência. A próxima pergunta é: novelas por streaming vão funcionar? Existem algumas leituras para se responder a esse questionamento.

Quem é o público a ser atingido?

Novelas são produtos cuja audiência é concentrada em pessoas mais velhas. Os mais jovens têm mostrado pouca intenção de se manter à frente da TV por oito meses, em um horário que não é necessariamente o de sua escolha, para acompanhar uma trama, por mais interessante que seja. O fim de Malhação que o diga. Ao migrar a novela para o streaming, pode-se reconquistar este público, já acostumado a maratonar séries, mas perde-se parte do público mais velho ainda pouco habituado ao manuseio de aplicativos na TV ou smartphone ou que simplesmente está acostumado com a grade imposta pela TV.

Até entre os mais jovens, há um certo prejuízo com novelas por streaming. Perde-se o ‘senso de comunidade’, que aqui pode ser aplicado a quando várias pessoas estão vendo um determinado conteúdo ao mesmo tempo e comentando-o na segunda tela – algo muito forte com o “BBB”. Como cada usuário vê o capítulo em um momento diferente, o engajamento se dispersa. A mudança do comportamento do público não acontecerá repentinamente. Trata-se de um processo que será construído em paralelo ao investimento de novelas no streaming, podendo haver sinergia ou não.

Qual é o tipo de novela certo?

Apostar em uma continuação de Verdades Secretas foi uma escolha segura por parte da Globo, pois se trata de um produto consagrado na TV tradicional e que vai para o streaming com sua legião de fãs e curiosos já estabelecida. Dentro dos rumores do início de produção de novelas por parte da Netflix no Brasil, é praticamente certo que o primeiro título também será um remake ou adaptação de alguma produção de êxito no passado: ou seja, é a mesma estratégia adotada pela Globo.

Mas como será a ‘novela-zero’ do streaming, ou seja, um texto concebido do zero e totalmente pensado para plataformas digitais? Ideias certamente existem aos montes, mas até então não há nada de concreto para este momento acontecer, ao menos num horizonte de dois anos. O player que for o precursor nesta ideia assumirá o grande risco de fazer um investimento no escuro, como também de servir de inspiração de erros e acertos para os seus rivais.

A Globo vai conseguir fazer dinheiro assim?

Essa é uma pergunta difícil de ser respondida. Em um primeiro momento, usando até mesmo Verdades Secretas II como exemplo, dificilmente a Globo está ganhando dinheiro com essa produção. Pelo contrário, deve estar gastando muito mais que ganhando: ‘e tá tudo bem’. Qualquer empresa que venha a lançar um grande produto ou serviço, sobretudo para se posicionar em um nicho novo ou que não é necessariamente o seu, assume que terá prejuízo no começo de sua operação. Uber e Nubank são apenas alguns exemplos de empresas que tiveram prejuízo durante muito tempo – e isso não assustava seus acionistas, afinal havia um planejamento a longo prazo para que o prejuízo se revertesse em lucro.

Talvez para mais uma ou duas novelas, a Globo siga colocando dinheiro como vem fazendo com séries do Globoplay, sem se preocupar necessariamente em reavê-lo a curto prazo – diferente de uma novela convencional, que precisa se pagar. Mas e depois? A Globo terá algumas alternativas: ou reduz orçamento e opta por tramas mais simples, com menor elenco, quantidade de cenários e externas; ou aumenta o número de capítulos, para diluir o orçamento; ou busca receita de uma outra forma.

O Globoplay ainda não tem força fora do Brasil, diferente de Netflix e Amazon que podem projetar produções como Dom (da Amazon) para todo o planeta e diluir esse investimento em um nível mundial. Logo, a comercialização das novelas para players que são rivais por aqui, mas não em países da Europa ou Estados Unidos, pode ser uma solução. O uso do bom e velho merchandising, como a Apple usa em The Morning Show para projetar iPhones e Macbooks de forma integrada ao conteúdo e sem soar forçada ou invasiva, também pode ser uma estratégia – ainda que o modelo de negócio da Apple seja outro, afinal ela fabrica os produtos e financia a série.

Por fim, trata-se de um novo processo para um novo produto e, como tudo que envolve o desconhecido, quem se aventurar a fazer novelas para o streaming terá que percorrer uma curva de aprendizagem da mesma forma que se percorreu há 70 anos quando as primeiras novelas na TV aberta foram feitas. Quanto ao conteúdo, nunca se chegará à fórmula correta – se houvesse, não haveria novelas, séries e filmes fracassando. Mas quanto à produção, distribuição e público, haverá erros e acertos. Nem mesmo se sabe se o modelo de 10 capítulos por safra, como a Globo está trabalhando com Verdades Secretas, funcionará. Esse é um dos preços a serem pagos enquanto o desconhecido não se torna conhecido.

João Gabriel Batista é publicitário, com pós-graduação em Marketing and Sales na Escola de Negócios Saint Paul e MBA em Gestão Empresarial pela FGV. Tem 29 anos e atua com marketing há 11, com passagens por veículos de comunicação, como emissora de TV, rádio e jornal, e multinacionais do segmento de telecom. É analista especial de mercado e negócios no TV Pop, fazendo participações sempre que necessário. Converse com ele por e-mail em [email protected]. Leia aqui o histórico do colunista no site e conheça o seu perfil no Linkedin.

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