UM SUCESSO QUE NÃO SABE QUANDO PARAR

O “Filme da Hatsune Miku” por alguém que não conhece o mundo Vocaloid

Cantora virtual não tinha conseguido convencer os cinemas de seu sucesso mas provou o contrário

Imagem de divulgação do filme Colorful Stage! O Filme: Uma Miku que Não Sabe Cantar
Colorful Stage! O Filme: Uma Miku que Não Sabe Cantar está em exibição nos cinemas (foto: Reprodução)

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Volto ao TV Pop para falar da mais recente estreia do mundo anime nos cinemas do Brasil – o filme “Colorful Stage! O Filme: Uma Miku que Não Sabe Cantar”, longa protagonizado pela cantora virtual Hatsune Miku e distribuído no país pela Cinecolor Films do Brasil.

Afinal de contas, quem é Hatsune Miku?

Antes de mais nada, um pouco sobre quem é a protagonista. De uma forma bem simplista, Hatsune Miku é uma cantora virtual japonesa, uma personagem criada a partir do Vocaloid, um software de sintetização de voz desenvolvido pela Yamaha para que qualquer pessoa possa criar músicas usando vozes digitais por computador. Na prática, ela é uma “voz digital” que permite que qualquer pessoa crie músicas como se ela estivesse cantando.

Com seu visual marcante — cabelos longos e azuis com um estilo de ídolo pop —, Miku se tornou um fenômeno mundial, estrelando jogos como o Project SEKAI, de onde o universo do filme se passa, produtos, shows virtuais com o apoio de tecnologias como telões LED ou hologramas e… um vídeo interpretando a famosa vinheta dos sorteios da Tele Sena, do SBT.

A diva virtual já fez aparições em animes como “Dropkick on My Devil! X” (embora tenha sido dublada por Saki Fujita ao invés de ter textos sintetizados no seu software) e esteve em uma curta passagem no Brasil, no Anime Friends de 2018.

A Miku Que Não Sabe Cantar

Colorful Stage! O Filme adapta cinematograficamente o jogo Hatsune Miku: Colorful Stage!, mais conhecido como Project Sekai. Proseka, como também é conhecido, trata-se de um jogo musical de ritmo publicado pela SEGA (da série Sonic), onde jogadores precisam acertar precisamente notas musicais para executar canções, numa pegada que lembra Guitar Hero, só que com dez vezes mais dificuldade.

Hatsune Miku projetada para fora de uma tela de smartphone
Hatsune Miku projetada para fora de uma tela (foto: Cinecolor Films do Brasil)

Para quem não conhece muito do universo do jogo e da personagem, o filme é uma ótima porta de entrada. Porém, já no início é possível encontrar dificuldades na compreensão da legenda – infelizmente traduzida tendo o idioma espanhol como base ao invés do japonês – que menciona o termo “SEKAI” várias vezes.

O termo sekai, por si só, significa “mundo” em japonês e alguns dos personagens mencionam diretamente sob este contexto, algo que ficou parecendo que a legenda não conseguiu acompanhar. Embora “SEKAI” seja o termo que separa dimensões alternativas vividas na série, é possível que a confusão tenha acontecido por alguma determinação de glossário vinda dos detentores dos direitos para que fosse evitada a tradução direta do termo.

Uma certa Hatsune Miku nunca vista começa o filme com um problema: ela não consegue cantar. Ela encontra uma pessoa ouvindo uma canção de uma “Miku” em uma loja de discos e, ao abordá-la, conta que não consegue alcançar pessoas e corações da forma que gostaria, mesmo tentando atrair a atenção de pessoas aparecendo em telas de aparelhos eletrônicos alheios. A história mostra esta Miku sendo fortemente retaliada por um Japão lotado de pessoas estressadas com seus cotidianos e sem tempo para momentos de lazer, como ouvi-la. O “SEKAI” desta Miku, reflexo desta realidade, torna-se um espaço sombrio e amedrontador prestes a colapsar, algo que se aproxima bastante do conceito de multiversos.

O argumento segue com esta premissa e são apresentados outras famosas units (subgrupos) musicais: Leo/need, Vivid Bad Squad, More More Jump!, Nightcord at 25:00 e Wonderlands x Showtime, que este espectador desconhecia por completo, portanto, resta a este não se aprofundar nos detalhes de integrantes e cantores virtuais e sim continuar ouvindo incessantemente suas músicas. Há, claro, os fenomenais personagens conhecidos de PJSK como Kagamine Rin, Megurine Luka, Meiko e Kaito.

Dirigido por Hiroyuki Hata (Yumekuri) e roteirizado por Yoko Yonaiyama (Lies), o filme é leve e tem suas doses dramáticas mostrando um mundo “real” e seus habitantes em momentos conturbados, mesmo que a angústia proposta não seja o foco.

Frame do filme "Colorful Stage! O Filme: Uma Miku que Não Sabe Cantar"
Miku causou dúvidas do seu sucesso para os cinemas brasileiros (foto: Reprodução)

Porém, o filme começa a pecar ao se escorar na percepção de mundo do público. Houve uma falta de detalhar as razões pelas quais se vê tanta gente afundada em esgotamento além de outros pontos: como surgiu aquele SEKAI ou se ele já era sombrio antes mesmo dela procurar as pessoas que precisavam de ajuda, mesmo que ambas as perguntas possam ser respondidas refletindo sobre as mazelas sociais do mundo em que vivemos hoje.

Além disso, por que e como ela é a única Miku que consegue viajar entre os SEKAIs e ser vista por todas as units? Por que só uma Miku específica em um SEKAI pode ser vista pelas pessoas que deram origem àqueles SEKAIs através dos sentimentos? Duas horas não parecem ter sido suficientes para destrinchar estes detalhes.

Animado majoritariamente pelo estúdio P. A. Works, o filme possui cenas extremamente bem desenhadas e animadas com uma mistura sutil de elementos 2D e 3D; não lembro de ter visto nenhum sinal de problemas de produção, como o excesso de frames estáticos ou “apresentações de slides”. As imagens eram sempre brilhantes, como se tivessem sendo vistas numa televisão de altíssima definição.

Já a trilha sonora é o suprassumo da existência daquele universo e cada sequência, que se assemelha a um clipe musical, mostra a razão pela qual o filme existe de forma satisfatoriamente conexa. A música pop e rock mostra “aquela” Miku em um confronto direto com suas emoções e é o que vai conduzir o longa do começo ao fim. Tendo esta responsabilidade de carregar o filme, consegue de forma primorosa com o apoio de grandes nomes como DECO*27, músico japonês produtor e compositor de canções para vocaloid. É aqui que os espectadores distantes do universo serão imersos neste mundo. Se você, assim como eu, mal tinha ideia deste universo, veja com paciência e dê uma chance. Você, leitor, poderá até não entender algumas coisas assim que o filme acaba, mas certamente irá se lembrar.

Após o filme, uma surpresa: uma apresentação exclusiva para quem ficou até depois dos créditos na sala com a mesma estética usada nos clipes da cantora. Os poucos fãs da sessão extra aberta naquele dia mostraram seu apoio com o uso dos populares bastões de luz (incentivados pelo texto na tela), mas todos ficaram tímidos e não responderam as “interações” da Miku na tela, sobrando um silêncio meio constrangedor.

Distribuição difícil

Falando em sessão extra, dada a ainda existente rejeição do gênero pelos cinemas por conta do nicho, é perceptível a dificuldade que a distribuidora Cinecolor Films do Brasil teve de convencer os exibidores de que o “desenho da Miku” não seria só mais uma sessão vazia ocupando o horário que poderia ser de um Missão Impossível: Acerto Final ou Lilo & Stitch, especialmente nos pequenos cinemas fora das capitais pelo Brasil.

Adiado algumas vezes, Colorful Stage teve uma estreia extremamente tímida no circuito comercial e que ameaçava ser apenas uma exibição única na data de sua estreia, 5 de junho. O que os exibidores não esperavam é que a popularidade da artista fizesse esgotar as três sessões “únicas” de São Paulo e encher suficientemente dezenas de outras nas pouquíssimas cidades brasileiras que toparam dar uma chance.

Gekijōban Project Sekai Kowareta Sekai to Utaenai Miku, em seu título original, teve sua estreia no Japão em novembro passado e estampou seu nome por cinco semanas nos filmes mais vistos do país, acumulando um total de 1 bilhão de ienes, algo em torno de 38,5 milhões de reais. Mesmo que os números do mercado doméstico japonês sejam outra realidade, ainda assim é uma referência impressionante.

Tendo notado o inesperado sucesso, algumas cadeias de cinema que o exibiram acabaram confiando neste potencial e liberando, ainda que a conta-gotas, mais dias e horários para exibição conforme as salas enchiam. 11 dias depois de sua conturbada estreia, Miku continua tendo uma boa ocupação nas duas salas de cinema do Cinesystem e da Cinemark em São Paulo que seguiram confiando na garota do cabelo azul.

Segundo a Comscore, o filme angariou o sexto lugar no dia da estreia (5 de junho) e a sétima posição no Top 10 de bilheteria nacional em seu final de semana de estreia (contados de 5 a 8 de junho).

Embora a exibição já tenha se encerrado em muitas praças, segundo a Cinecolor, Colorful Stage! O Filme: Uma Miku que Não Sabe Cantar segue em exibição em 30 salas pelo país ao menos até 25 de junho.

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