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ANÁLISE

Minisséries, Ídolos e Aprendiz: por que as grandes atrações sumiram?

Cássio Reis no estúdio de Ídolos Kids
Cássio Reis foi o apresentador da última versão brasileira de Ídolos (foto: Divulgação/Record)

Certamente os telespectadores mais atentos perceberam uma queda considerável no volume de produções na TV aberta ao longo dos últimos anos. Essa queda não é necessariamente associada à quantidade de horas, mas sim no nível dos produtos que eram apresentados na década de 2000 e nos que vão ao ar hoje. A Globo, por exemplo, nos últimos cinco anos eliminou o Vídeo Show, Malhação e a novela das 23h, passando a preencher parte desses horários por enlatados ou produções mais baratas.

As minisséries, que junto ao BBB eram uma marca registrada do começo do ano, também sumiram. Fora da Globo, atrações como Ídolos e Aprendiz, que eram verdadeiras superproduções em seus canais originais — SBT e Record, respectivamente, mudaram de casa e desapareceram. Por quê? Tem volta? Duas variáveis influenciam diretamente na resposta à essa pergunta. Já antecipo que as chances são bem remotas e elas são atribuídas à economia do Brasil (ou seja, um fator macro) e à crise no próprio meio da TV aberta.

Economia do Brasil

Mais do que se pensa, a economia do Brasil tem papel fundamental na produção de grandes programas. Não se trata apenas de desleixo ou mesmo dinheiro: é preciso ter perspectiva desse dinheiro retornar. Entre 2000 e 2010, o PIB do Brasil cresceu todos os anos – à exceção de 2009, quando houve uma queda de 0,1% em relação a 2008. No ano de 2010, inclusive, a economia deu um salto de 7,5% – a maior alta dos últimos 24 anos.

Curiosamente, no fim da década de 2000, a Globo levou ao ar Amazônia, de Galvez a Chico Mendes com 55 capítulos (2007) e Maysa: Quando Fala o Coração, com 10 capítulos (2009). Nesta época, a Record oferecia aos participantes de Aprendiz prêmios como viagens a Paris, Miami, Los Angeles e Londres, como na edição de 2009. Em algumas ocasiões, até mesmo provas eram feitas no exterior (enquanto a temporada de 2019, na Band, era reduzida a jantares ou encontros com famosos como recompensas).

Já o SBT fazia uma grande estrutura para levar o Ídolos a várias cidades do Brasil, como Salvador, Recife, Belém, onde realizava audições. De 2015 a 2020, ou seja, em seis exercícios de PIB, o Brasil encolheu em três deles — chegando a cair 4,1% em 2020. Com menos produção, que se associa a um alto desemprego (de aproximadamente 13% em 2020 contra 6,7% em 2010), é nítido: há menos poder de compra; não adianta uma empresa comprar uma cota de patrocínio se não há perspectiva desse dinheiro voltar em vendas.

Crise na publicidade da TV aberta

Diferente da crise econômica, que historicamente faz parte de um ciclo e depende de vários fatores, a crise na TV aberta tem uma abrangência menor, mas é irreversível. O PIB do Brasil em 2021 cresceu 4,6%. Mas a publicidade na TV aberta não voltará aos números de anos atrás. Entre janeiro e agosto de 2011, segundo estudo publicado na Folha de São Paulo, 65,4% dos investimentos publicitários foram para a TV; 10,9% para jornais e 4,6% para internet. O restante se dividia em TV paga, revistas e rádios.

Em 2020, segundo a Meio e Mensagem, principal referência do mercado publicitário, a TV aberta respondeu por 51,9% das verbas — ante 26,7% da internet e 2% de jornais. Ou seja, uma queda de 13,5 p.p. Vamos assumir que uma indústria de alimentos tenha R$ 1 bilhão para investir em mídia tanto em 2011 como em 2020: em 2011, ela teria alocado R$ 654 milhões na TV aberta e em 2020 teria repassado R$ 519 milhões.

Essa diferença de R$ 135 milhões, que ficava sob posse da família Marinho, Silvio Santos, Edir Macedo, foi para outras mãos. Sem esse dinheiro, o jeito foi partir para produções menos cinematográficas como Bake Off e Top Chef. Em termos práticos, o cenário que é ainda pior, afinal, eu parti da premissa que a tal indústria de alimentos tenha mantido sua verba de marketing tanto em 2011 como em 2020.

Mas em 2011, o Brasil vinha de 7,5% de crescimento de PIB (2011). Em 2020, vínhamos de um crescimento de apenas 1,1% e, dentro de 2020, uma queda de 4,1%. Ou seja, a chance dessa verba ter sido mantida é baixa. Há apenas uma forma para reverter esse cenário — e ele retoma ao primeiro ponto desta coluna: o crescimento da economia. A verba de marketing dessa mesma indústria de alimentos precisa crescer, e isso só ocorrerá se houver mercado consumidor para tal.

Vamos fazer um novo exercício, ainda que simplório, e assumir que a economia do Brasil cresça 10% neste ano e que isso por si só seja suficiente que a tal indústria de alimentos gaste 10% a mais em marketing, saltando de R$ 1 bilhão para R$ 1,1 bilhão, e que não haja alteração na distribuição de alocação de verba (ou seja, que a TV mantenha os seus 51,9%): as emissoras passariam de R$ 519 milhões para R$ 570 milhões; um ganho de R$ 51 milhões de um ano para o outro. Com este ganho real é que poderiam ser pensados novos investimentos, ainda que essa cifra seja aquém dos R$ 654 milhões de 2011.

O que se esperar?

É importante apartar as expectativas para o mercado nos próximos anos. O primeiro passo é: emissoras de TV tendem a virar produtoras de conteúdo. Emissora de TV ganha dinheiro com TV. Produtor de conteúdo ganha dinheiro seja lá onde seu conteúdo for transmitido: streaming, TV paga, podcast, entre outros. O segundo passo é entender que estamos caminhando a passos largos para a democratização tanto de conteúdos (afinal qualquer um pode produzir hoje em dia) e de canais de distribuição (streaming, TV paga, TV aberta, redes sociais).

Aos mais saudosistas, as notícias não são das melhores: o modelo que existia nos anos 2000 não voltará mais. Aos apegados a conteúdo, independente de por onde ele vem, as notícias são ótimas: haverá cada vez mais opção de entretenimento.

João Gabriel Batista é publicitário, com pós-graduação em Marketing and Sales na Escola de Negócios Saint Paul e MBA em Gestão Empresarial pela FGV. Tem 29 anos e atua com marketing há 11, com passagens por veículos de comunicação, como emissora de TV, rádio e jornal, e multinacionais do segmento de telecom. É analista especial de mercado e negócios no TV Pop, fazendo participações sempre que necessário. Converse com ele por e-mail em [email protected]. Leia aqui o histórico do colunista no site e conheça o seu perfil no Linkedin.

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