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Da favela para o Grammy, o funk é muito maior que o elitismo

Apresentação de Cardi B no Grammy virou motivo de treta e bate-boca nas redes sociais (foto: Reprodução)
Apresentação de Cardi B no Grammy virou motivo de treta e bate-boca nas redes sociais (foto: Reprodução)

A noite de premiação do Grammy não trouxe tantas surpresas em relação aos ganhadores, como falamos na semana passada. Mas o momento mais comentado e que acabou gerando uma discussão à parte foi a performance de Cardi B e seu hit WAP. A rapper incluiu o remix funk feito pelas mãos de Pedro Sampaio durante a apresentação, gerando comoção por parte dos brasileiros nas redes sociais. Comoção que não foi tão bem digerida por Rick Bonadio, produtor musical que encabeçou alguns dos maiores sucessos entre os anos 90 e 2000. A discussão em torno do assunto tem sido bem intensa desde então, mas vamos tentar dissecar tudo.

Cardi teve um álbum de estreia brilhante, com direito a dois hits em primeiro lugar nos Estados Unidos e o Grammy de Melhor Álbum Rap em 2019. A artista trabalhou em algumas músicas até lançar WAP e o single próprio que antecedeu o hit foi Press. Nas palavras da rapper, o desempenho de Press a fez repensar seu processo criativo e em como não deve lançar nada só por ser Cardi B, que terá o apoio dos fãs de qualquer maneira.

WAP nasceu como um hit provocante e pegajoso, que pode ser só mais um rap falando sobre sexo, mas incita a liberdade sexual feminina e desmascarou o machismo que deu tanto holofote para mulheres cantando sobre sexo enquanto o assunto é basicamente uma regra para rappers masculinos.

O burburinho em volta da inclusão do remix funk teve início na reprodução da frase “fica de quatro”, que no contexto da música original parece saída de uma canção de ninar. Para Rick, o funk tem capacidade de ser visto de maneira mais original e criativa do que é atualmente. Na realidade, esse argumento até tem certa razão.

As letras do funk, geralmente, são bem parecidas e falam basicamente sobre sexo, dinheiro e bebidas. Mas pra ser bem sincero, isso não é exclusividade do funk. A música sempre tratou desses temas, independente do gênero e da conotação aplicada. Talvez hoje ela não se restrinja a se comunicar de forma subliminar e os dois pontos de vista são bem-vindos.

A maneira que o funk brasileiro se construiu tem origem popular, em que a comunicação é direta, evidente, até óbvia. Seria hipocrisia querer tratar algo popular com uma caixa segmentada, embalada para agradar quem não consome esse tipo de produto. Concordando ou não com a abordagem que o gênero faz sobre os assuntos, ela vai continuar existindo, até mesmo no inconsciente de todas as pessoas. O fascínio não é por causa de algo que os artistas internacionais, principalmente a própria Cardi, fazem em suas músicas, mas sim na capacidade que o funk tem de transformar qualquer letra em uma música envolvente, cativante e empolgante.

Não é de hoje que o funk inspira artistas e produtores fora do Brasil, por trazer essa sensação de envolvimento e ginga quando começa a tocar. A marcação do funk é feita para dançar, algo que traz admiração de quem faz música fora daqui, que já estão cansados de conhecer as fórmulas de criar um hit pop, que às vezes nem faz sucesso.

Um desses produtores é o Diplo, aqui conhecido por trabalhar com Anitta, Pabllo Vittar e Banda Uó. Parceiro de anos de M.I.A., em 2005 os dois lançaram “Bucky Done Gun”, embalada por um sample de “Injeção”, de Deize Tigrona. De lá pra cá, o fato é que o funk virou pop e entrou de vez no cenário cultural, tendo espaço na TV, rádio, festivais de música e como gênero influente.

Essa influência agora só foi reverberada ao aparecer no Grammy. O recado é que agora não dá mais para ignorar que o funk, de raiz brasileira, vai continuar sendo referência de musicalidade. Temos a oportunidade de lapidar esse ouro e usá-lo a nosso favor, como tantos exemplos de países que investem em sua cultura.

Enquanto a visão elitista impedir o avanço e a ampliação do debate cultural para todas as classes, menos a música nacional pode ter alcance fora do Brasil e isso é muito perigoso e danoso para todos que trabalham com música. Abraçar a pluralidade e o popular na cultura é essencial para que novas portas se abram e outras permaneçam abertas. Porque, querendo ou não, os ritmos populares vão continuar engolindo a maior fatia do mercado e isso não tem a ver com retrocesso, mas com o retrato do que o público quer ouvir. Dentro e fora do Brasil.

Gabriel Bueno é publicitário de formação, atua no mercado desde 2013 nas áreas de criação, mídia e produção. Viciado em acompanhar música, sempre disposto a comentar premiações, álbuns, videoclipes e tudo que envolve o meio musical. É o autor da coluna Decifrando, publicada no TV Pop sempre nas quartas. Siga o colunista no Twitter: @GabrielGBueno_. Leia aqui o histórico do colunista no site.

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