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ANÁLISE

Fracasso do QuintoAndar no BBB mostra que Globo ainda não faz milagre

Tadeu Schmidt é o atual apresentador do BBB
Tadeu Schmidt é o apresentador do BBB: publicidade do QuintoAndar saiu pela culatra (foto: Reprodução/TV Globo)

A demissão em massa que o QuintoAndar promoveu na semana passada (especula-se em cerca de 800 empregos cortados) acabou respingando no Big Brother Brasil. A notícia, que foi dada em primeira mão pelo Estadão, não veio sozinha: o jornal resgatou o fato de a empresa, uma das maiores do ramo de compra, venda e aluguéis ter adquirido uma milionária cota de patrocínio no reality da Globo. O pacote adquirido (o Brother, mesma do McDonald’s) está orçado em R$ 11,8 milhões em valores de tabela.

Será que o programa, então querido e desejado pelos grandes anunciantes, teria falhado a ponto de desestabilizar uma empresa ao não entregar o resultado prometido por conta de sua baixa audiência e repercussão? Antes de analisar se o BBB tem ou não culpa, é importante fazer um resgate do prestígio que o programa conquistou junto aos anunciantes.

O SuperBowl brasileiro

Com as novelas em queda e a migração do público jovem para plataformas de streaming, o BBB foi alçado ao status de SuperBowl do mercado publicitário brasileiro. O reality passou a preencher essa lacuna por, de fato, ter o poder de pautar os papos de elevador, boteco e momentos de descontração dos brasileiros. É impossível que qualquer um atravesse os primeiros quatro meses do ano sem ser impactado pelo programa.

A chamada segunda tela (smartphones, tablets, notebooks ou qualquer outro dispositivo complementar à TV) é uma das maiores responsáveis por essa projeção: por ser um programa de confinamento, diversas contas de Instagram e Twitter repercutem diariamente o cotidiano dos participantes, algo que não acontece com nenhum outro formato como novelas ou futebol. O mercado, de olho nisso, surfa nessa onda.

O McDonald’s, por exemplo, chegou a emplacar seis dos 10 assuntos mais comentados em uma rede social e um aumento de mais de 1000% no número de menções espontâneas durante a Festa do Pijama de 2021, um dos maiores cases da marca nos últimos anos. Tudo isso fez com que o BBB se tornasse ainda mais disputado pelo mercado. Uma empresa que adquirisse uma cota no programa ganhava prestígio tanto entre o público (que passava a conhecer ou reconhecer a sua importância) como também entre concorrentes (afinal, não é uma brincadeira barata).

Foto de intervenção promovida pelo QuintoAndar no BBB22
QuintoAndar patrocinou prova na edição de 27 de março do BBB22 (foto: Reprodução/TV Globo)

O que deu errado com o QuintoAndar?

Diferente do que muitos podem pensar, a baixa repercussão do BBB não é a causa de o QuintoAndar ter demitido tantos profissionais. O erro, na verdade, é da própria marca ao mobilizar um esforço tão grande e de alto custo financeiro em um programa como o BBB — independente da audiência que estivesse dando. Quando uma marca decide promover uma campanha (antes mesmo de decidir em quais meios ela vai anunciar), o departamento de marketing precisa estabelecer o objetivo.

Os dois mais conhecidos são performance (vendas, cliques, cadastros, etc) ou awareness (em tradução livre, consciência, ou seja, tornar a marca conhecida pelos consumidores como fornecedora de um determinado tipo de produto ou serviço). Se a ideia do QuintoAndar era conquistar mais clientes, será que o BBB seria a melhor alternativa? O QuintoAndar não chega a estar presente em 50 cidades brasileiras (ainda que, de fato, esteja nas maiores como São Paulo, Rio, Salvador e Brasília).

Além disso, é uma plataforma totalmente digital — o que o torna interessante a jovens nativos digitais (a chamada Geração Z, de nascidos entre 95 e 2010) ou que já se familiarizaram com essa mudança (a Geração Y, nascidos entre os anos 80 e 90), mas não tão atrativa aos Baby Boomers (os nascidos entre 1946 e 1964). O mediakit (apresentação enviada pela Globo às agências) traz alguns números do reality: 39% do público tem mais 50 anos ou mais e 67% está nas classes CDE, que tendem a ser menos familiarizadas e de menor acesso à tecnologia.

E um estudo do próprio QuintoAndar, junto ao Datafolha, aponta que 70% dos brasileiros já têm casa. Será que a Dona Maria ou o Seu Zé se sentiriam confortáveis em alugar ou comprar uma casa em uma plataforma totalmente online? Outra possibilidade seria promover a marca por awareness — ou seja, gerar consciência. Essa alternativa faz sentido? O que agregaria aos telespectadores dos 13 estados (como Alagoas e Mato Grosso) ter ciência de que existe uma plataforma de imóveis que não tem uma única kitnet anunciada?

Mesmo antes de entrar no mérito de classe social e idade, como citado anteriormente, a simples ausência de produtos faz com que parte do investimento escorra pelo ralo.

Foto de dinâmica do QuintoAndar no BBB
Em 15 de março, QuintoAndar promoveu dinâmica valendo um ano de aluguel no BBB (foto: Reprodução/TV Globo)

Convite para festa sem comida e bebida

Além de todos os pontos expostos, o QuintoAndar também precisaria ter um grande portfólio de opções para receber o cliente que veio pelo BBB, o que não necessariamente existe. É como se eu chamasse você para uma festa que não tivesse bebida e comida o suficiente. Em Salvador, terceira maior cidade do país (com três milhões de habitantes), o QuintoAndar tem cerca de 250 imóveis para alugar. O número contrasta com de São Paulo, com 12 milhões de habitantes (quatro vezes mais) mas com 15 mil imóveis anunciados: 60 vezes mais.

O QuintoAndar provavelmente alcançaria resultados melhores caso tivesse optado por outras mídias — como as digitais (criando campanhas que atingissem de fato seu público, nas cidades onde tem maior capilaridade e até mesmo pessoas que estão buscando por novos imóveis nas ferramentas de busca, como o Google). E ainda caso o objetivo fosse gerar consciência de marca, o patrocínio ou a criação de eventos em cidades como São Paulo (ou até mesmo em Salvador, para estimular que locadores recorressem à plataforma para anunciar seus imóveis) também poderia custar menos e ter um resultado melhor.

Claro que todas essas possibilidades não passam de um exercício de futurologia, mas ao pautá-las por dados, como os apontados neste texto, as chances de erro seriam reduzidas. E com uma taxa de sucesso maior, talvez parte (ou até todos) os 800 empregos perdidos poderiam ter sido salvos. Esse é um importante case que reforça que não basta ter dinheiro ou uma campanha na Globo para que tudo se resolva. É necessária uma estratégia de otimização desses recursos para que haja êxito.

João Gabriel Batista é publicitário, com pós-graduação em Marketing and Sales na Escola de Negócios Saint Paul e MBA em Gestão Empresarial pela FGV. Tem 29 anos e atua com marketing há 11, com passagens por veículos de comunicação, como emissora de TV, rádio e jornal, e multinacionais do segmento de telecom. É analista especial de mercado e negócios no TV Pop, fazendo participações sempre que necessário. Converse com ele por e-mail em [email protected]. Leia aqui o histórico do colunista no site e conheça o seu perfil no Linkedin.

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