Gloria Perez afirmou que a censura moral enfrentada pelas novelas atualmente é mais severa do que a vivida durante a ditadura militar. Em entrevista, a autora disse que o politicamente correto tem engessado a teledramaturgia, retirando conflitos e enfraquecendo o gênero. Em entrevista para a Folha de S.Paulo, a novelista também declarou que sua última produção na Globo, Travessia (2022), foi “implodida de propósito”.
Com mais de 40 anos de carreira e títulos como O Clone (2001), América (2005) e Caminho das Índias (2009), Gloria Perez disse que, no cenário atual, essas tramas “nem chegariam ao público”. Segundo ela, “foram tramas inovadoras, e inovar pressupõe correr riscos”. “Sempre achei que o politicamente correto engessa, reduz e elimina a possibilidade do conflito. Ao fazer isso, ele amordaça e empobrece o autor. Só que novela é conflito”, afirma.
Gloria fez questão de relembrar como funcionava a censura na época do regime militar. “Na época, você tinha uma censura comandada pela dona Solange [Hernandes, chefe da Divisão de Censura de Diversões Públicas do regime militar]. Era ela quem mandava cortar as coisas. Só que agora nós temos uma multiplicidade enorme de ‘Solanges’. Nas redes sociais, com raras exceções, cada pessoa é uma Solange diferente, julgando o outro e tentando cassar a palavra alheia.“
A novelista deixou a Globo em abril após o veto a Rosa dos Ventos, projeto que abordaria aborto e questões políticas. “Decidiram adiar a novela por causa do aborto. Aí eu falei ‘gente, se tem uma pessoa que sabe tocar com delicadeza nesse tipo de tema, sou eu, a minha história toda mostra isso’. Mas veio o medo de desagradar algumas áreas. A minha assinatura é lidar com temas delicados e trazer o público para a discussão. Se eu não puder fazer isso, eu acabo.”
Gloria Perez fala sobre Travessia e diz que trama foi “implodida por dentro”
Na conversa com a publicação, Gloria Perez também falou sobre sua última novela na emissora. “Travessia foi implodida por dentro”, afirmou a ex-contratada da Globo. “Detestei não ver no ar aquilo que eu escrevi”, desabafou. Além disso, a autora disse que não foi responsável pela escalação de Jade Picon, mas elogiou a atriz: “Posso dizer que a Jade Picon, apesar da inexperiência dela, foi muito importante para mim nessa novela. Ela deu vida a momentos emocionantes e não atrapalhou o enredo”.
Para a autora, a crise das novelas não se explica apenas pela multiplicação de telas e opções de entretenimento. “A cultura ‘woke’ introduziu um cerceamento à imaginação. A opção de não desagradar, de não tocar em temas sensíveis, de transformar conflitos humanos em pautas, acabou por encerrar a dramaturgia numa espécie de fórmula, retirando dela a capacidade de provocar. A cultura ‘woke’ foi arrasadora para a dramaturgia”, afirmou.
Sobre críticas de retratar culturas estrangeiras de forma estereotipada, Gloria Perez rebateu: “Quem foi ao Marrocos, à Índia, à Capadócia sabe disso e viu de perto o quanto a população dos locais gostou desses retratos. Sempre busquei incluir a face mais progressista e a mais tradicional de cada cultura. Mês passado, uma amiga jornalista viajou pelo Azerbaijão. Num restaurante, ao saber que era brasileira, os garçons falaram com entusiasmo de O Clone”, relatou.
