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OPINIÃO

Record completa 68 anos de forma melancólica e escorada no passado

Rodrigo Faro chora durante programa ao vivo na Record
Rodrigo Faro é um dos expoentes da decadência da Record com o passar dos anos (foto: Reprodução/Record)

Você sabia que hoje é o aniversário da Record? Eu sou capaz de apostar que a resposta será não, exceto se você for fã da emissora ou ao menos se interesse por marcas históricas do mercado televisivo. A mais antiga rede nacional ainda em atividade completará 68 anos no ar nesta segunda-feira (27) de forma melancólica e protocolar. Até agora, nem a própria direção do canal tem se esforçado para passar uma imagem diferente disso: a única novidade preparada para a data foi uma reformulação no pacote visual de alguns programas, além de uma campanha dos realities que estão no ar atualmente — o spot citado, durante cinco segundos, relembra aristas que passaram pela empresa.

“A Record faz 68 anos e ainda tem muita história pra contar”, diz o narrador do anúncio. Mas será que tem mesmo? Prestes a completar sete décadas ininterruptas de atividade, marca respeitável para qualquer tipo de companhia, a emissora enfrenta uma das maiores crises criativas da sua história. A sua programação, cada vez mais sucateada, se resume de segunda a sexta-feira a telejornais de gosto duvidoso, novelas e realities. Literalmente: só esses três tipos de programas são transmitidos nos dias úteis. Aos sábados, a variada grade da rede tem o reforço de filmes exibidos em loop infinito. Nos domingos, além dos longas e da teledramaturgia, há o capenga Hora do Faro e o Record Kids.

Para uma emissora que até hoje se apresenta como principal concorrente da Globo, a atual programação deveria ser motivo de vergonha. Nem mesmo os índices de audiência justificam a manutenção do preguiçoso esquema atual: ela só consegue se manter em segundo lugar por incompetência do SBT, e não por méritos próprios. A emissora de Silvio Santos emplacou diversos anos seguidos na vice e só perdeu o posto em meados de 2020, em meio ao afastamento de diversas de suas estrelas por conta da onda de infecções respiratórias no país.

Mesmo com a medalha de prata, os índices de audiência da Record não cresceram com o passar dos anos. Muito pelo contrário: ela assumiu a vice-liderança, mas os números continuam os mesmos de quando ela estava no terceiro lugar. Para tentar disfarçar isso, em sua eterna sina de tratar o mercado publicitário como idiota, a emissora se gaba de ter sido a única rede de televisão aberta que cresceu na comparação entre 2001 e 2021. Pudera: todas as rivais tinham sucessos históricos de ibope naquele ano, enquanto a Record ainda era um puxadinho da Igreja Universal do Reino de Deus.

Há uma semana, a emissora passou a assinar alguns de seus anúncios com um novo slogan. “Mais audiência. Cada vez mais audiência”, diz a frase, estampada pela primeira vez em uma propaganda sobre uma pesquisa da Reuters sobre o jornalismo do canal ser o mais confiável do país, mesmo título que foi dado ao SBT há três meses. O ibope decadente dos jornalísticos da emissora diz o contrário: de segunda a sexta-feira, só o Balanço Geral do horário do almoço e a edição principal do Jornal da Record ocupam o segundo lugar com folga. Todos os outros sofrem nas mãos das concorrentes: perdem para Dudu Camargo, do alto de seus 23 anos, e até para novelas mexicanas.

O departamento de teledramaturgia também vive uma das piores fases de sua história: Gênesis, única trama inédita em exibição, deverá chegar ao fim em dezembro e muito provavelmente será substituída por uma reprise. Em pleno horário nobre, por incapacidade de produção e para atender aos caprichos da filha do dono, a emissora exibe a série Quando Chama o Coração, em uma tentativa pífia de evangelizar ainda mais os telespectadores. Nem parece o canal que, há menos de dez anos, ousou ao ter uma personagem transexual como protagonista de sua principal novela.

Mesmo nas regionais, historicamente mais fortes do que a Record São Paulo, a rede já não tem mais o mesmo fôlego de outrora. Em Goiânia, cidade onde a emissora chegou a empatar tecnicamente na liderança com a Globo, o placar já aponta o risco da perda da vice-liderança para o SBT. Na capital do Pará, em que o canal chegou a ultrapassar os 40 pontos de audiência com novelas e realities, não é raro ver até mesmo a programação local flertando com o traço. E é compreensível: no início do ano, de tão sucateada que está a estrutura, os jornalísticos regionais ficaram por mais de uma semana sem conseguir na tela nem mesmo o logotipo da emissora, tampouco as tarjas com as manchetes.

O único investimento considerável feito pela emissora neste ano foi a aquisição dos direitos do Campeonato Paulista. A competição, porém, tem tudo para ser mais um fracasso retumbante no extenso currículo de erros da diretoria nos últimos anos: a Record não tem programas esportivos em sua grade e tampouco está disposta a criar uma atração do gênero, já tendo avisado aos clubes que a segunda janela da competição será uma mesa redonda na Record News. E, evidentemente, as chances do torneio ter bons resultados em um canal sem tradição esportiva são remotas.

Nos últimos anos, a emissora se especializou apenas em tentar evangelizar o público e em movimentar uma minoria barulhenta nas redes sociais. Se você frequenta redes sociais, certamente já notou que misteriosamente surgiu uma expressiva quantidade de fãs da programação da rede, principalmente das novelas bíblicas, e que eles costumam ser hostis com qualquer notícia negativa a respeito do canal e de suas atrações. O motivo? Durante as reuniões da Força Jovem Universal, obreiros tem pedido para que jovens passem a defender a Record com unhas e dentes.

Se a Record quiser continuar tendo histórias para contar, como disse o narrador da propaganda citada no início da análise, ela precisará se reinventar. A diretoria atual parece ser dividida em três núcleos: um que realmente entende e gosta de televisão, que acaba sendo escondido pelos outros dois grupos, um liderado pelos evangélicos de Cristiane Cardoso, e o terceiro é o que não tem a mínima ideia do que estão fazendo, ao ponto de ter transformado as manhãs da rede em uma imensa máquina de moer talentos.

Não deve ter sido fácil chegar aos 68 anos. Mas vai ser ainda mais difícil passar pelos próximo 68 — e isso excluindo a eventual probabilidade da televisão que nós conhecemos deixar de existir antes disso.

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